sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011



Robert Johnson e a encruzilhada

Conta-se que, numa noite de lua cheia, em que o silêncio fazia-se ouvir mais alto que qualquer lamento de blues, Robert Johnson teria se dirigido para a encruzilhada das rodovias 61 e 49, em Clarksdale, Mississipi, Estados Unidos. De alguma forma desconhecida, ele teria entrado em contato com uma das forças mais temidas pelo ser humano, o diabo. Seu pedido era simples e direto: fazer sucesso com sua música. Satã lhe daria o sucesso, mas em troca Johnson deveria dar-lhe seu mais precioso bem: sua alma.
Selado o acordo, o obscuro bluesman se tornou, em pouco tempo, o melhor de todos.

Vida

1911. Em Hazlehurst, no Mississipi, Julia Major Dodds dá à luz seu 11º filho, que iria se chamar Robert Johnson. Charles Dodds era marido de Julia e pai dos outros 10 filhos que ela tinha. Robert era fruto de uma relação extraconjugal com um trabalhador da lavoura de algodão que se chamava Noah Johnson. Daí seu sobrenome.
Julia, como era de se esperar, não foi mais aceita por Charles Dodds. Para sobreviver, acabou se tornando uma catadora de algodão que viajava pelas plantações da região atrás de trabalho. A irmã mais nova do pequeno Johnson cuidava dele enquanto a mãe trabalhava.
Johnson começou a se interessar pela música na adolescência. Seus primeiros contatos musicais foram com a harmônica e com o "jaw harp", chamado aqui no Brasil de "berimboca", "harpa de boca" ou ainda "berimbau de boca".
Por volta de 1929, Johnson se casou pela primeira vez em Penton, Mississipi. Sua esposa se chamava Virginia Travis. Eles viveram em Granville Hines, na plantação "Kline", ao leste de Robinsonville. Sua vida de casado durou pouco. Sua esposa morreu em 1930 ao tentar dar a luz a seu primeiro filho.
Em 1931 Johnson se casa novamente, no condado de Copiah. Sua nova esposa se chamava Calletta Craft, mas era chamada carinhosamente por Robert de "Callie". Completamente apaixonada por Johnson, ela costumava acompanhá-lo em suas apresentações para poder dançar, e consentia que ele saísse todas as noites para tocar com aquele que seria seu primeiro grande mentor, o bluesman Ike Zinnerman. Segundo consta, Robert Johnson tinha uma enorme facilidade para tirar músicas “de ouvido”, descobrindo as notas apenas ouvindo a melodia. Robert Johnson acabou abandonando Calletta. Ela ficou seriamente doente e morreu alguns anos depois.
Seu próximo relacionamento sério viria a ser com Estella Coleman, que era viúva e já tinha um filho. O menino tinha o mesmo nome do padrasto, e viria a ser conhecido no futuro como Robert Lockwood Jr.

Música

John Lee Hooker ou Robert Johnson é como reescrever um poema de Drummond ou de Fernando Pessoa”. É assim que o guitarrista brasileiro Nuno Mindelis define o estilo de Robert Johnson.
As influências musicais de Johnson vinham diretamente da fonte do blues. Seus ídolos eram Son House, Willie Brown, Charley Patton, Skip James, Lonnie Johnson, entre outros. Robert, em seu curto período de vida, tocou com pessoas que ganhariam fama mundial alguns anos depois, tais como Howlin' Wolf, Elmore James, Johnny Shines e Sonny Boy Williamson.
Son House relatou certa vez que Johnson tocava muito bem harmônica, porém ele queria mesmo era tocar violão, mas tocava muito mal. House conta que, certa vez, Robert desapareceu por algum tempo e que, quando voltou, estava tocando violão como ninguém. Suas composições eram recheadas de histórias retratando encontros com o diabo, o que reforça a lenda de que ele teria feito um pacto com o demônio, vendendo sua alma em troca da habilidade de tocar.
A forma que Johnson toca e canta é muito peculiar. Algumas pessoas comparam seu violão a um piano, pela forma como ele soa junto com sua voz. “Do ponto de vista técnico, a forma dele tocar é algo dificílimo. É meio como uma mulher dar à luz, cantar e tocar violão ao mesmo tempo, sei lá”, afirma Nuno.
Johnson participou apenas de duas sessões de gravação em toda sua vida.
Em Jackson, no Mississippi, Johnson conheceu H. C. Spier que o colocou em contato com Ernie Oertle, um caçador de talentos. Oertle sugeriu que o bluesman fizesse sua primeira sessão de gravações em San Antonio, no Texas, em novembro de 1936.
Um fato pitoresco que marcaria a carreira de Johnson é que ele, por vergonha do outros músicos presentes no estúdio (que na verdade era um quarto de hotel), gravou virado de costas para eles, olhando para a parede.
Nessa primeira sessão de gravação Johnson cunhou talvez o maior clássico do Blues, "Crossroads blues". “Eu fui para a encruzilhada. Caí de joelhos. Falei para o Senhor: ‘Por misericórdia, salve-me se Você quiser’. ‘Você pode correr’, dizia meu amigo Willie Brown. E eu estou parado sobre a encruzilhada. Acredite, eu estou afundando...”, diz a letra de Crossroads blues.
Em 19 de Junho de 1937, Johnson viajou novamente até o Texas. A sessão, gravada em Dallas, foi feita novamente em um estúdio adaptado. A única diferença é que dessa vez era um galpão, e não um quarto de hotel. Dali saíram "Me and the devil", "Stones in my passway" e "Hell hound on my trail".
A encruzilhada
Nos anos 80 um filme fez muito sucesso fazendo um paralelo com a história de Johnson. Crossroads, ou “A encruzilhada”, em português, contava a história de um velho bluesman que ajudava um adolescente, Ralph Machio, a encontrar uma “música perdida” de Robert Johnson.
O menino é um violonista de música erudita, clássica, que se apaixona pelo Blues. O bluesman concorda em ajudá-lo a encontrar essa música perdida, mas sua busca acaba levando-os ao próprio inferno, onde o velho músico tenta livrar-se do acordo que fez com o diabo. O demônio concorda em libertar sua alma, mas determina que seja feito um duelo. Se o menino ganhar a alma do velho será libertada, mas se perder os dois terão que dar sua alma ao capeta. O duelo é entre o pupilo de Johnson, Ralph Machio, e o representante do demônio, nada mais nada menos que o guitarrista Steve Vai. Ralph ganha e o diabo liberta a alma de Johnson.

Uma morte misteriosa

Sua morte, como sua vida, é um mistério que envolve muitas versões. Em 1938, Johnson estava tocando num velho bar empoeirado do delta do Mississipi, o Tree Forks.
O local exalava o cheiro forte de álcool, consumido nas mesas de madeira rústica, sempre acompanhado de cigarrilhas, charutos ou cigarros baratos.
O dono do bar, postado atrás do seu balcão, observava atentamente seus movimentos enquanto enxugava alguns copos recém-lavados, como que esperando algum movimento diferente do músico.
Ao terminar um blues, a mão de Johnson se dirigiu para o copo de whiskey, colocado estrategicamente ao seu lado. Seu parceiro, o gaitista Sonny Boy Willianson, uma lenda do blues, o aconselhou a não tomar o conteúdo daquele copo. Johnson não ouviu o conselho e virou o copo de uma só vez. Segundos depois, caiu no palco. Havia sido envenenado por estricnina. Ele acabou se recuperando do envenenamento, mas contraiu pneumonia, morrendo em 16 de agosto de 1938, numa casa na fazenda "Star of the West", em Greenwood. Seu certificado de óbito cita apenas "No Doctor", (sem médico), como causa da morte.
Uma outra versão conta que o próprio diabo teria ido até o bar, exigindo o pagamento pelo pacto feito na encruzilhada das rodovias 61 e 49. A alma de Johnson.
A verdade é que, por meios demoníacos ou divinos, Robert Johnson está na história como o maior nome do Blues, seu pai, sua essência, sua encruzilhada...

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